Mario Cravo Neto (Salvador – BA/1947 – 2009) foi fotógrafo, escultor e desenhista. Recebe as primeiras orientações no campo do desenho e da escultura de seu pai, Mario Cravo Júnior. Após sofrer um acidente automobilístico em 1975, dedica-se à fotografia de estúdio, cria instalações e realiza trabalho fotográfico com temática relacionada ao candomblé e à religiosidade católica.
O artista se utiliza de técnicas de luz e sombra dramáticas e preto e branco para criar fotografias impactantes e que transmitem sentimentos como angústia, instabilidade e conflito. Observando esses jogos de luz e sombra e as focagens minuciosas, nota-se uma preocupação com as formas e texturas, herança de seu trabalho anterior com escultura. Os enquadramentos fechados nas formas humanas contribuem para a dramaticidade das cenas e nos aproximam dos modelos, evocando uma sensação de podermos tocar naquelas formas.
Em suas composições, é possível notar interações entre objetos, ou criaturas, e o corpo, de modo a criar uma atmosfera mística e por vezes ritualística e propor diálogo a respeito da relação homem-desconhecido, são fotografias de uma realidade diferente, profunda do ser humano. Isso fica claro durante os choques visuais entre os corpos das composições e contrastes gerados por novas camadas sobrepostas.
A obra “Mask” a seguir, retrata muito bem o caráter místico e a junção entre realidades visíveis e as fronteiras do ficcional nas fotografias de Mario Cravo Neto, refletindo na imagem uma sensação de dúvida ao que o autor tenta transmitir com a foto e assim estimulando um questionamento ao expectador/observador. A imagem, através de sobreposição de formas cria uma textura e atribui uma identidade especial a composição.
Sua fotografia transita pelo imaginário religioso e místico, principalmente da religiosidade católica e do candomblé. Há uma relação direta entre o trabalho de Cravo Neto e o do fotógrafo e etnógrafo Pierre Verger, principalmente ao abordar a possessão espiritual do corpo. Para compor a série Ex-Voto, a qual utilizamos algumas obras em nossa curadoria, o fotógrafo utiliza esculturas votivas em madeira talhada. As fotografias da série revelam uma grande sensibilidade no uso da luz, de forma a valorizar os planos, entalhes e relevos das peças. Enfoca freqüentemente fragmentos do corpo humano em seus trabalhos e, por vezes, os associa a objetos, como bolas ou pedras, ou a animais, o que confere à imagem um ar de estranhamento e, por vezes, um caráter ritualístico. Sua obra não é narrativa, nem documental, nem antropológica. É o suporte para um investimento visual que procura acentuar a relação do homem com o desconhecido com base no estabelecimento de relações inesperadas, sobretudo na oposição entre objetos e corpos.
Mario Cravo Neto nasce em 20 de Abril de 1947 na cidade do Salvador, Bahia, onde no ano de 2009, em 09 de agosto, partiu para o lugar que estava reservado para ele no plano desconhecido da existencia, ainda que continue hoje a viver entre nós em espirito e o seu legado artistico continuará sendo sempre o trabalho de um dos grandes artistas contemporaneos.
Em 1964, aos 17 anos, muda-se para a Alemanha, quando seu pai, o escultor Mario Cravo Jr., participa do programa Artists in Residence, em Berlim. É naquele período que Cravo Neto dá início as suas experiências com escultura e fotografia. No ano de 1965 retorna ao Brasil, é premiado na I Bienal de Artes Plásticas da Bahia e, ainda naquele ano, faz sua primeira exposição individual. Entre 1968 e 1970, vive em Nova Iorque, onde estuda na Art Student League, sob a orientação do artista plástico Jack Krueger, um dos precursores da arte conceitual. Em 1970 publica sua primeira fotografia fora do Brasil no catálogo da exposição Information, Museu de Arte Moderna de Nova Iorque. Ainda em Nova Iorque produz a série de fotografias em cores intitulada On the Subway, publicada na revista Camara 35, e fotografias em preto-e-branco que abordam o aspecto da solidão humana na grande metrópole. É em seu estúdio no Soho que desenvolve, paralelamente à fotografia, as esculturas em acrílico baseadas no processo do “terrarium”, envolvendo o crescimento de plantas vivas em ambientes fechados. Na XI Bienal Internacional de São Paulo, em 1971, em sala especial, apresenta pela primeira vez a instalação das esculturas vivas produzidas em Nova York e recebe o Prêmio de Escultura Governador do Estado de São Paulo. Durante os anos de 1971 a 1974, dedica-se à criação de projetos “em sítio” (land art), interferindo diretamente na natureza do sertão baiano e no perímetro urbano de sua cidade natal. A documentação sistemática desses trabalhos lhe proporciona intimidade com a linguagem cinematográfica. É nesse contexto que realiza diversos curtas-metragens e que, em 1976, recebe o Prêmio Nacional da Embrafilme, pela direção de fotografia do longa-metragem Ubirajara, do diretor André Luis Oliveira. Em razão de um acidente automobilístico, em 31 de março de 1975, é forçado a permanecer com ambas as pernas imobilizadas por um ano. Esta circunstância, porém, não interrompe sua produção. Nesse período trabalha em maquetes de seus projetos tridimensionais e volta a sua atenção para o retrato em estúdio, para a apropriação de objetos e para a utilização desses objetos em suas instalações e nas composições das fotografias. Surge assim um trabalho único, autoral, no qual Cravo Neto cria, a partir da integração que promove entre personagem e objeto, o que podemos chamar de fotografias-esculturas em preto-e-branco. São dessa fase o Ninho de Fiberglass, 1977, e Câmaras Queimadas, 1977, criações emblemáticas, expostas respectivamente nas XIV e XVII Bienal Internacional de São Paulo. Essas obras são mais tarde comentadas por Edward Leffingwell, no prefácio do livro The Ethernal Now, 2002, a mais completa monografia de Mário Cravo Neto, contendo 136 fotografias em preto-e-branco em estúdio. Nas palavras de Lefingwell, “o elo principal dentre os projetos citados, as instalações que se seguiram e as fotografias que o tornaram conhecido, foi a apresentação de um translúcido ninho feito com filamentos de fiberglass, catados por algum arquiteto desconhecido: uma ave da vizinhança de seu estúdio na Cidade do Salvador”.
Mesmo antes da publicação do The Eternal Now, as fotografias em preto-e-branco são amplamente mostradas em diversas exposições e editadas em vários livros e catálogos. Das várias exposições, destacam-se: em 1988, Pallazo Fortuny, Veneza; em 1992, Witkin Gallery, Nova Iorque e Houston FotoFest, Houston; em 1995, Museu de Arte de São Paulo, São Paulo; em 1998, Fahey Klein Gallery, Los Angeles e Photo España, Real Jardín Botânico de Madrid, quando o artista mostrou impressões fotográficas em grande formato, expostas ao ar livre.