Nascido em Coimbra em 1976, André Cepeda é um fotógrafo que vive e trabalha no Porto. Começou em 1999 a expor com regularidade, desde então foi sendo sucessivamente publicado e ganhou vários prémios e comissões.
O seu trabalho recente tem se centrado na paisagem contemporânea portuguesa onde procura construir novas formas de olhar para a realidade e para o espaço que lhe é apresentado. “Procuro essencialmente os espaços e os momentos esquecidos ou rejeitados. Coisas que nos pertencem e que estamos habituados a olhar. Isso interessa-me na exacta medida em que me obriga a criar uma imagem e relacionar-me com o seu espaço tentando esquecer a sua história e contextos de recepção originais.” O trabalho de André Cepeda devolve-nos, alterada, a realidade que conhecemos convidando-nos a “uma reflexão mais alargada sobre o modo como construímos a nossa identidade cultural e social.”
2015 Depois
Nascido em Coimbra em 1976, André Cepeda é um fotógrafo que vive e trabalha no Porto. Começou em 1999 a expor com regularidade, desde então foi sendo sucessivamente publicado e ganhou vários prémios e comissões.
O seu trabalho recente tem se centrado na paisagem contemporânea portuguesa onde procura construir novas formas de olhar para a realidade e para o espaço que lhe é apresentado. “Procuro essencialmente os espaços e os momentos esquecidos ou rejeitados. Coisas que nos pertencem e que estamos habituados a olhar. Isso interessa-me na exacta medida em que me obriga a criar uma imagem e relacionar-me com o seu espaço tentando esquecer a sua história e contextos de recepção originais.” O trabalho de André Cepeda devolve-nos, alterada, a realidade que conhecemos convidando-nos a “uma reflexão mais alargada sobre o modo como construímos a nossa identidade cultural e social.”
Since 2005, I have been working on several projects in which the working space is the Portuguese contemporary landscape, particularly the city of Porto. I work with what I find on the streets, with the people I come across. It is a daily and ongoing process that is often related to our own evolution and the way we experience places. I have chosen the large format camera 4x5 inch because, apart from the precision and technical accuracy, it requires a slow working process. This method is determinant to a long and attentive observation, which allows me to connect and relate with the object or landscape I wish to photograph.
I am always trying to build new ways of looking at reality and the space that is presented to me. Essentially, I search for spaces and moments that have been forgotten or rejected, where there is a certain suspension. Those things that belong to us, that we are used to look at. My interest lies in the sense that I am obliged to create an image and relate to its space, trying to forget its history and original reception contexts. With my only focus on light, space and time, I feel more freedom to create new contexts for the images, as if this almost sculptural treatment would render a dignity apparently forgotten or neglected. And so, these images become moments that propitiate a wider reflection on the way we build our cultural, social and political identity.
I am especially interested in the present time, the big day-to-day issues, the universal time, the economic crisis, the instability and incertitude, moments that don’t belong to history, that are rejected, some kind of forgotten heroes. I speak about things that are common to all places and are easily found, but difficult to select and interpret. I have been giving special attention to the accuracy of the publication and the importance of an international distributor capable of transmitting the social, historical, political and aesthetic components that my projects hold, and therefore stating my artistic path, so that it is in fact a mark in my career and not merely a passing by experience.
I have been working with photography, exhibiting and publishing. The 16mm and super8 film have always made part of my experiences and are very important to the way I understand the space I define to work with. The field recording, radio and studio recordings, make part of my exhibition projects.
A Inc. tem o prazer de o convidar para a festa de lançamento de “RIEN”, o novo livro de André Cepeda editado pela Pierre von Kleist. Contamos consigo para uma tarde agradável na companhia de: André Cepeda, José Pedros Cortes (PvK) e André Príncipe (PvK), para uma pequena apresentação e conversa sobre o novo livro.
Em "RIEN", Cepeda faz com que as fotografias de grande formato a Preto e Branco, pareçam expontâneas e livres. Este é um trabalho sobre o processo de fotografar, sobre o próprio filme. Evoca um d...esejo de tocar e iluminar todas as coisas em nosso redor.
“Becos escuros, blocos de cimento, corpos cansados e nús, cordas que levam a lado nenhum, tubos abandonados. Rien, o novo livro de André Cepeda, é uma experiência num abismo a preto e branco. As coisas parecem ter perdido o seu nome e ficado suspensas num tempo sem príncipio nem fim. Sente-se um vazio, mas é um vazio desejado.” (site PvK)
"RIEN" é o segundo livro de André Cepeda e é editado pela Pierre von Kleist Editions. "Ontem" o primeiro livro do fotógrafo, publicado em 2010 (Le Caillou bleu), foi aclamado pelo público e crítica internacional, sendo hoje uma referência no contexto da fotografia contemporânea
RIEN by André Cepeda
28 EUR
Dark alleys, blocks of cement, tired naked bodies, strings that lead to nowhere, abandoned tubes.
Rien, the new André Cepeda book, is an immersive experience. Page after page we are led into a void where all things seem to have lost their name, creating a restless and suspended time. More than looking at physical spaces, we feel as if in an endless present tense. There is Emptiness, but a desired one.
Cepeda makes the beautiful more white than black large format photographs look spontaneous and free.
A book about the process of photographing, about film.
A desire to touch and enlighten all things around us.
Rien, the new André Cepeda book, is an immersive experience. Page after page we are led into a void where all things seem to have lost their name, creating a restless and suspended time. More than looking at physical spaces, we feel as if in an endless present tense. There is Emptiness, but a desired one.
Cepeda makes the beautiful more white than black large format photographs look spontaneous and free.
A book about the process of photographing, about film.
A desire to touch and enlighten all things around us.
GALERIA PEDRO OLIVEIRA
Calçada de Monchique, 3
4050-393 Porto
13 ABR - 29 MAI 2010
Os últimos trabalhos de André Cepeda convergem para um desvio formal e processual do corpo de imagens que tem vindo a apresentar nas exposições que vem realizando nos últimos dez anos: o preto e branco, até aqui inédito, para começar; o instantâneo da Polaroid, como base.
No decorrer do seu projecto anterior, recentemente apresentado em livro (Ontem), Cepeda embrenhou-se num nível habitualmente oculto de um tecido urbano que lhe é familiar – a cidade que habita, o Porto – na procura de um aprofundamento de relações de reconhecimento e identificação daquele meio, quer pela cartografia visual do território, quer pela sua contextualização social. Fotografou lugares e pessoas que, tendo estado sempre tangenciais ao seu próprio quotidiano, lhe escapavam, resistentes a um olhar mais atento, exploratório, sem que por isso se pretendesse invasivo.
As imagens que registou e apresenta em livro preservam a cada momento a dignidade de quem consentiu partilhar a intimidade com o fotógrafo. A sensibilidade do registo superando a crueza do contexto e a dureza das vidas, anulando-se, assim, um potencial voyeurista que uma abordagem deste tipo facilmente exploraria. Este projecto implicou por parte do artista uma deambulação concentrada e sistemática por áreas menos expostas e tradicionalmente menos favorecidas da cidade do Porto. O processo seria, como lhe é habitual, o de um tempo distendido que lhe permitisse aproximar-se e, ao mesmo tempo, olhar sóbria e distanciadamente o seu objecto de estudo.
Na exposição agora patente na Galeria Pedro Oliveira, André Cepeda imprime um novo rumo ao seu método, à sua relação pessoal com o tempo, e à relação que estabelece entre este – o seu – e o tempo do processo fotográfico. O uso da Polaroid, mesmo aplicada ao grande formato que sempre utiliza, é desde logo o indício desta nova relação. A instantaneidade que aquele processo implica subverte a habitual amplitude temporal que trabalhos anteriores requeriam. Nesta série, a disciplina que Cepeda se auto-impõe dita que sejam apenas três os registos em cada momento de contacto com as mulheres que fotografa, o que restringirá de modo significativo as possibilidades de driblar o resultado – a interrupção do quotidiano de cada uma daquelas vidas equivalerá, assim, ao imediato da sua exposição perante a máquina fotográfica. São apenas três as tentativas de resultado de encontro entre o fotógrafo e cada um daqueles corpos.
Do que vê no imediato – o positivo – será posteriormente feita a ampliação a partir do negativo que o tipo 55 da Polaroid que aqui utiliza permite. Os vestígios de emulsão que subsistem no negativo, e que permitem a fixação imediata deste e do positivo, manter-se-ão visíveis em algumas das ampliações, realçando a singularidade deste trabalho, tanto na obra do artista, como nos fragmentos de vida que congela.
A montagem da exposição obedece igualmente a um critério que parece, também ele, sujeito à interdição de uma previsibilidade voyeurista. Suspensos encontram-se igualmente aqui objectos do quotidiano – uma laranja, uma pedra, um fio sem princípio nem fim, aleatoriamente preso a uma parede. Um candeeiro que, fornecendo luz ao percurso da exposição, define à partida os postulados de organização das imagens no espaço: a luz que projecta ilumina apenas o tecto que o sustém, como em cada imagem que a seguir encontramos (seja corpo ou objecto, enfim, forma) a envolvente será o que sustém cada uma destas representações, servindo ora para as destacar, sublinhando uma ilusória pausa de movimento, ora para as integrar e resolver a deslocalização funcional da situação.
O negro de fundo que mantém em suspenso os objectos, nuns casos, é substituído pelos padrões dos quartos das pensões que albergam os corpos nus, noutros. Com a suspensão temporal do quotidiano profissional daquelas mulheres, confronta-se a suspensão espacial dos objectos, criando-se assim uma tensão entre duas dimensões que confluem para um estado de embargo espácio-temporal.
Calçada de Monchique, 3
4050-393 Porto
13 ABR - 29 MAI 2010
Os últimos trabalhos de André Cepeda convergem para um desvio formal e processual do corpo de imagens que tem vindo a apresentar nas exposições que vem realizando nos últimos dez anos: o preto e branco, até aqui inédito, para começar; o instantâneo da Polaroid, como base.
No decorrer do seu projecto anterior, recentemente apresentado em livro (Ontem), Cepeda embrenhou-se num nível habitualmente oculto de um tecido urbano que lhe é familiar – a cidade que habita, o Porto – na procura de um aprofundamento de relações de reconhecimento e identificação daquele meio, quer pela cartografia visual do território, quer pela sua contextualização social. Fotografou lugares e pessoas que, tendo estado sempre tangenciais ao seu próprio quotidiano, lhe escapavam, resistentes a um olhar mais atento, exploratório, sem que por isso se pretendesse invasivo.
As imagens que registou e apresenta em livro preservam a cada momento a dignidade de quem consentiu partilhar a intimidade com o fotógrafo. A sensibilidade do registo superando a crueza do contexto e a dureza das vidas, anulando-se, assim, um potencial voyeurista que uma abordagem deste tipo facilmente exploraria. Este projecto implicou por parte do artista uma deambulação concentrada e sistemática por áreas menos expostas e tradicionalmente menos favorecidas da cidade do Porto. O processo seria, como lhe é habitual, o de um tempo distendido que lhe permitisse aproximar-se e, ao mesmo tempo, olhar sóbria e distanciadamente o seu objecto de estudo.
Na exposição agora patente na Galeria Pedro Oliveira, André Cepeda imprime um novo rumo ao seu método, à sua relação pessoal com o tempo, e à relação que estabelece entre este – o seu – e o tempo do processo fotográfico. O uso da Polaroid, mesmo aplicada ao grande formato que sempre utiliza, é desde logo o indício desta nova relação. A instantaneidade que aquele processo implica subverte a habitual amplitude temporal que trabalhos anteriores requeriam. Nesta série, a disciplina que Cepeda se auto-impõe dita que sejam apenas três os registos em cada momento de contacto com as mulheres que fotografa, o que restringirá de modo significativo as possibilidades de driblar o resultado – a interrupção do quotidiano de cada uma daquelas vidas equivalerá, assim, ao imediato da sua exposição perante a máquina fotográfica. São apenas três as tentativas de resultado de encontro entre o fotógrafo e cada um daqueles corpos.
Do que vê no imediato – o positivo – será posteriormente feita a ampliação a partir do negativo que o tipo 55 da Polaroid que aqui utiliza permite. Os vestígios de emulsão que subsistem no negativo, e que permitem a fixação imediata deste e do positivo, manter-se-ão visíveis em algumas das ampliações, realçando a singularidade deste trabalho, tanto na obra do artista, como nos fragmentos de vida que congela.
A montagem da exposição obedece igualmente a um critério que parece, também ele, sujeito à interdição de uma previsibilidade voyeurista. Suspensos encontram-se igualmente aqui objectos do quotidiano – uma laranja, uma pedra, um fio sem princípio nem fim, aleatoriamente preso a uma parede. Um candeeiro que, fornecendo luz ao percurso da exposição, define à partida os postulados de organização das imagens no espaço: a luz que projecta ilumina apenas o tecto que o sustém, como em cada imagem que a seguir encontramos (seja corpo ou objecto, enfim, forma) a envolvente será o que sustém cada uma destas representações, servindo ora para as destacar, sublinhando uma ilusória pausa de movimento, ora para as integrar e resolver a deslocalização funcional da situação.
O negro de fundo que mantém em suspenso os objectos, nuns casos, é substituído pelos padrões dos quartos das pensões que albergam os corpos nus, noutros. Com a suspensão temporal do quotidiano profissional daquelas mulheres, confronta-se a suspensão espacial dos objectos, criando-se assim uma tensão entre duas dimensões que confluem para um estado de embargo espácio-temporal.
www.andrecepeda.com
ideiasderua0@gmail.com
ONTEM
Ontem / Yesterday
Ontem é o título deste projecto que começou quando conheci o H., que estacionava carros à porta de minha casa. Como todos os dias passeava o meu cão, acabávamos por conversar com frequência. Mostrei-lhe o meu interesse em conhecer as ruas que ele percorria e os bairros por onde ele andava. Interessava-me conhecer aqueles territórios, as traseiras, as paisagens escondidas do Porto, os caminhos alternativos pelos bairros da cidade, locais a que, não conhecendo muito bem, me tenho vindo a dedicar há algum tempo. Trabalhávamos todas as semanas e por vezes vários dias seguidos. A ausência de tempo que sentia nos locais e nas pessoas que ia encontrando, o perigo e a dureza da realidade começou a interessar-me.
Pela primeira vez começo a fazer retratos. Perguntava-me, recorrentemente, porque andava a fotografar. E só mais tarde é que percebi que este projecto fazia todo o sentido para mim. A minha vida sempre se cruzou com histórias ligadas à droga. O facto de viver no centro do Porto faz-me confrontar com essa realidade todos os dias.
Ontem foi a melhor palavra que encontrei para descrever este estado de espírito, pois neste contexto a grande questão parece ser como se lida com o tempo. Como passar o tempo. Como passar o tempo com um corpo e uma mente, e o que fazer com eles. Esconder, refugiar, anular, esquecer. Tentar estar fora do tempo.
André Cepeda
Porto, 2008
Foam Magazine
Books - Foam List No.9 06.October 2010
André Cepeda, “Ontem”
A striking book with the title “Ontem” (yesterday) has recently been released by the Belgian publishing house Le caillou bleu. André Cepeda is a young Portuguese photographer who for a number of years has photographed the inhabitants of a small district located on the outskirts of the city of Porto. Many people here eke out a living only through prostitution and petty crime. The book contains portraits, (drastic scenes), apartments, and landscapes, often in the colours of dusk or under a grey sky. Some portraits reminded me of Chauncey Hare or Jacob Holdt. These are interspersed with pictures of sex or trashed rooms. There are also portraits in which people have been photographed with great clarity and sobriety. (It takes time for these pictures to reveal their meaning). They seem to show a “bare life” (Agamben), one that is reduced to the absolute minimum. But they also show the full sympathy the photographer has for his sitters. In an interview at the end of the book, Cepeda mentions a couple who found one another only late in life and describes their love under these difficult circumstances. This allows us to understand small details, such as plant pots outside a closed door or a broken window, and we are more willing to accept nakedness and unadorned physicality in the images. This is an important book alongside “Messina” by Pieter Hugo and “Niagara” by Alec Soth. It too uses the means of a new documentary style (flash, reduction, the artistic use of colour) to confront viewers with the inhabitants of a small peripheral world that is more representative of ours than we wish to acknowledge.
Sebastian Hau
Individual exhibitions (selection):
Ontem, Galery INVALIDEN1, Berlin, Germany, 2012
Canal, with Eduardo Matos, Espace Photographique Contretype, Brussels, 2012
2011, CAV-Centro de Artes Visuais, Coimbra, 2011
O que o futuro foi, Mostra de Vídeo, Laboratório das Artes, Guimarães, 2010
Untitled, Galeria Pedro Oliveira, Porto, 2010
Ontem, Espace Photographique Contretype, Brussels, Belgium, 2010
BesPhoto 2010, Museu Berardo, CCB, Lisboa, 2010
River, Galeria Pedro Cera, Lisboa, 2009
River, Galeria AdHoc, Vigo, Espanha, 2009
Untitled, The Mews – Project Space, Londres, UK, 2009
Project Room, Galeria Reflexus, Porto, 2009
Sem título, Mad Woman in the Attic, Porto, 2008
Ontem, ZDB, Lisboa, 2008
Stasis, Galeria Pedro Cera, Lisboa, 2006
Provas de Trabalho, Projecto Apêndice, Porto, 2006
Moving#3, IN.TRANSIT, Edificio Artes em Partes, Porto, 2006
Moving#2, Galeria AdHoc, Vigo, Espanhã, 2006
Moving, Galeria de Arte Cinemática, Vila do Conde, 2006
Anacronia, KGaleria, Lisboa, 2006; Museu de Imagem, Braga, 2005
Espace Photographique Contretype, Bruxelas, Bélgica, 2005
Jungle, Espaço Bartolomeu 5, Lisboa, 2005
Viseu, António Henriques Galeria de Arte Contemporânea, Viseu, 2004
Closer, Galeria +Consigo, Coimbra, 2004
Mapa de Intensidades, Oficina, espaço alternativo da Galeria Fernando Santos, Porto, 2003
Anacronia, Gallerie Image, Aarhus, Dinamarca, 2002
Corpo, tempo, desejo e morte, Galeria Massa, Porto e Vulcão dos Capelinhos, Açores, 2002
Pontes, lugares e antropologia, Silo-espaço cultural, CPF/MC, Porto, 2001
Anacronia, Encontros de Fotografia de Coimbra, Coimbra, 2000
RIVER
Texto de Paulo Reis
sobre estas 3 imagens da série River
Last night, Iowa, 2008/ Lonely Nights, Indianapolis, Indiana, 2008/ Untitled, Missouri, 2008
Em conformidade com o seu percurso longo como fotógrafo, André Cepeda reúne a sua acção em redor dos conceitos de viagem, paisagem (atendendo a diferentes tipologias) e humanização. Nas 3 fotografias desta série, constata-se a ausência de pessoas registadas na paisagem. Todavia, em cada uma delas, a sua presença é implícita e incontornável. O automóvel ficou esquecido por alguém no meio de um percurso; a estrada alarga-se num ponto de fuga quase renascentista, tendo sido construída pela força de uma intervenção na natureza em prol de um desenvolvimento comunitário…quer em função de um dimensionamento poético nocturno, quer na nitidez anímica da visão diurna. Aliás, na obra do artista, estas duas modalizações filosóficas fazem-nos retroceder até ao pensamento de Gilbert Durand (veja-se “Estruturas Antropológicas do Imaginário”). Muito frequentemente, a sua obra é dirigida por uma ou outra vertente e substância também na sua visibilização empática e, portanto, estética. As potencialidades psico-afectivas, societárias e críticas que são substância das suas imagens agarram o espectador, pois este reconhece as dúvidas e as certezas – ultrapassando-se o paradoxo – pois são realmente paisagens da estrutura do imaginário, quanto da razão e sensibilidade do humano.
Collective Exhibitions (selection):
Wherever I Lay My Camera Down is Home, Photographic Festival in Rome, Rome, Italy, Curated by Paul Wombell, 2011
Ontem, Encontros de imagem de Braga, 2011
Arte Lusófona Contemporânea - Galeria Marta Traba - Fundação Memorial da América Latina, São Paulo, Brasil, 2011
Panis et Circensis”, Centro de Artes de Sines, Sines, 2011
Da outra margem do Atlântico - alguns exemplos da videoarte e da fotografia portuguesa - Centro de Artes Helio Oiticica, Rio de Janeiro, Brasil, 2011
Private Lives - Centro Cultural de Cascais, Cascais, 2011
Look Up! Natural Porto Art Show - Various Venues, Porto, 2011
Ré-collection, Espace Photographique Contretype, Brussels, Belgium, 2010
Impresiones Y comentários - Fotografia Contemporánea Portuguesa, na Fundació Foto Colectania, Barcelona, Spain, 2010
Opções & Futuros #1_2008 - Obras da Colecção da Fundação PLMJ - Fundação PLMJ, Lisbon, 2009
A iminência da queda, Galeria Diário de Notícias, Lisboa, 2009
Rescaldo e Ressonância, Reitoria da Universidade do Porto, Porto, 2009
Está a morrer e não quer ver, Espaço Campanhã, Porto, 2009
THE CORE OF INDUSTRY - Fotografia Europea – Reggio Emilia 2008 - Musei Civici di Reggio Emilia - Spazio Gerra, Reggio Emilia, Itália, 2008
Testemunhos – Trajectos de Qualificação, Edifício da Alfândega, Porto, 2008
Paraísos Indómitos, Marco Museu de Arte Contemporânea de Vigo, Espanha, 2008
Territoire, 6ª Biennale Internacional de Fotografia de Liége, Liége, Bélgica, 2008
Where are you from?, Faulconer Gallery, Iowa, USA, 2008
O gabinete de curiosidades de Domenico Vandelli - Museu Botânico, Coimbra, 2007
Prémio EDP – Novos Artistas, Central Eléctrica do Freixo, Porto, 2007
Antimonumentos, António Henriques Galeria de Arte contemporânea, Viseu, 2007
Deslocações: 4 perspectivas contemporâneas portuguesas, Comité Económico e Social Europeu, Bruxelas, 2007
PhotoLondon 2007, Galeria AdHoc, Londres, Inglaterra, 2007
Intro, Espace Photographique Contretype, Bruxelas, Bélgica, 2007
Bxl, Centre Wallonie-Bruxelles à Paris, Paris, França, 2007
Busca Pólos, Centro Cultural Vila Flor, Guimarães e Pavilhão de Portugal, Coimbra, 2006
Residências I, Museu do Caramulo, Caramulo, 2006
Encontro de Arte Jovem, Bienal de Arte, Chaves, 2006
CO2, Miedzynarodowe Centrum Kultury, Cracovia, 2006
Colecção da Fundação PLMJ, Centro de Artes Visuais, Coimbra, 2005
Creators of European Photography, Photo Festival Union, Lodz, Poland, 2005
Desenhar Discurso: Digressões sobre uma urbanidade disruptiva, Bienal de Cerveira, 2005
Re-produtores de sentido, Arte Sesc, Rio de Janeiro, Brasil, 2004;
E no princípio era a viagem, Bienal de Pontevedra, Pontevedra, Espanha, 2004
“Colectiva et Puis voilá…”, António Henriques Galeria de Arte Contemporânea, Viseu, 2003
Colecção de Arte Contemporânea da Caixa Geral de Depósitos, Museu Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporânea, Badajoz, 2003
Pingyao International Photography Festival, Pingyao, China, 2003
Salão Europeu de Jovens Criadores, Montrouge/Sant Cugat/Amarante, 2003
Galeria Fernando Pradilla, Madrid, 2002
Pontes, lugares e antropologia, Cadeia da Relação, Centro Português de Fotografia, Porto, 2002
Memórias da Cidade, Encontros de Imagem, Braga, 2001
Bruxelles Active, C02, Bruxelas, 2000
Bruxelles a l’infini, Espace Photographique Contretype, Bruxelas, 2000
MOVING
Imagens sonâmbulas
As obras que André Cepeda agora apresenta constituem o segundo volante do projecto Moving, inicialmente apresentado no Solar – Galeria de Arte Cinemática em Vila do Conde, Portugal. Denotando uma singular coerência interna, este projecto ancora-se num registo processual que vai privilegiar espaços e momentos que o nosso olhar tendencialmente negligencia. Mais do que não-lugares, estas representações correspondem a um repto para retirar do âmbito do não-olhar imagens que mesmo quando olhadas, não demonstram uma particular capacidade de se fixarem enquanto percepções peculiares. Assim, o que este autor propõe, ao contrário de toda a tradição fotográfica de “estrada”, que se estrutura mediante núcleos narrativos de carácter mais ou menos diarístico - através de uma introspecção idiossincrática, ou assumindo uma reflexão sobre condições sociais peculiares -, é conferir um peso especifico ao que a velocidade e a falta de pontos de vista estáveis que se justifiquem enquanto tal não permitiriam, à partida, considerar como campo de visão minimamente interessante. Ou seja, André Cepeda provoca interrupções em percursos onde a banalidade absoluta constitui um soporífero visual. O que surpreende, é aquilo que estas imagens, estes cortes nesse filme vagamente hipnótico que todos experimentamos ao percorrer auto-estradas e estradas ladeadas pela insignificância urbanística e natural, quando depuradas pelo seu olhar (concentrado na luz, nas relações espaciais e nos enquadramentos) conseguem produzir: uma estranheza pela familiaridade, uma emocionante capacidade evocativa no rigor quase escultórico da sua composição, ao, por exemplo, contrastar a frieza cortante dos rails de segurança com apontamentos de uma natureza ameaçada, mas resistente. É assim que estas imagens-sonâmbulas despertam para uma realidade verdadeiramente assombrosa: configurando momentos não vividos que colam à pele da nossa memória, tal como o sonâmbulo não consegue por vezes destrinçar o sono da vigília. A fotografia que abre a exposição, a que mais se distancia da tipologia estruturante da série, evoca exactamente um momento desses. A passadeira convida-nos ao atravessamento (o primeiro em toda a séria, pois nas outras imagens a estrada é um separador letal), a uma espécie de regresso a casa. Mas esta é uma casa habitada por uma luz misteriosa, as suas redondezas estão desertas, não se pressente qualquer resquício reconfortante de humanidade. Será esta solidão uma solidão bela ou horrível? Será esta uma representação de um sono ou de uma vigília? Será isto o real apreendido ou o real construído – ou melhor, como é que um real apreendido se confunde tanto com um real construído? É nestas flutuações significantes, que denotam um particular modo de olhar o mundo, que André Cepeda se vem movimentando com destreza e inteligência. Uma inteligência do olhar.
Miguel von Hafe Pérez
Imagens sonâmbulas
As obras que André Cepeda agora apresenta constituem o segundo volante do projecto Moving, inicialmente apresentado no Solar – Galeria de Arte Cinemática em Vila do Conde, Portugal. Denotando uma singular coerência interna, este projecto ancora-se num registo processual que vai privilegiar espaços e momentos que o nosso olhar tendencialmente negligencia. Mais do que não-lugares, estas representações correspondem a um repto para retirar do âmbito do não-olhar imagens que mesmo quando olhadas, não demonstram uma particular capacidade de se fixarem enquanto percepções peculiares. Assim, o que este autor propõe, ao contrário de toda a tradição fotográfica de “estrada”, que se estrutura mediante núcleos narrativos de carácter mais ou menos diarístico - através de uma introspecção idiossincrática, ou assumindo uma reflexão sobre condições sociais peculiares -, é conferir um peso especifico ao que a velocidade e a falta de pontos de vista estáveis que se justifiquem enquanto tal não permitiriam, à partida, considerar como campo de visão minimamente interessante. Ou seja, André Cepeda provoca interrupções em percursos onde a banalidade absoluta constitui um soporífero visual. O que surpreende, é aquilo que estas imagens, estes cortes nesse filme vagamente hipnótico que todos experimentamos ao percorrer auto-estradas e estradas ladeadas pela insignificância urbanística e natural, quando depuradas pelo seu olhar (concentrado na luz, nas relações espaciais e nos enquadramentos) conseguem produzir: uma estranheza pela familiaridade, uma emocionante capacidade evocativa no rigor quase escultórico da sua composição, ao, por exemplo, contrastar a frieza cortante dos rails de segurança com apontamentos de uma natureza ameaçada, mas resistente. É assim que estas imagens-sonâmbulas despertam para uma realidade verdadeiramente assombrosa: configurando momentos não vividos que colam à pele da nossa memória, tal como o sonâmbulo não consegue por vezes destrinçar o sono da vigília. A fotografia que abre a exposição, a que mais se distancia da tipologia estruturante da série, evoca exactamente um momento desses. A passadeira convida-nos ao atravessamento (o primeiro em toda a séria, pois nas outras imagens a estrada é um separador letal), a uma espécie de regresso a casa. Mas esta é uma casa habitada por uma luz misteriosa, as suas redondezas estão desertas, não se pressente qualquer resquício reconfortante de humanidade. Será esta solidão uma solidão bela ou horrível? Será esta uma representação de um sono ou de uma vigília? Será isto o real apreendido ou o real construído – ou melhor, como é que um real apreendido se confunde tanto com um real construído? É nestas flutuações significantes, que denotam um particular modo de olhar o mundo, que André Cepeda se vem movimentando com destreza e inteligência. Uma inteligência do olhar.
Miguel von Hafe Pérez
Collections:
Espace Photographique Contretype, Bruxelas
Faulconer Gallery, Grinnell, Iowa, USA
Instituto Camões, Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa
Colecção Nacional de Fotografia, Ministério da Cultura, Porto
Encontros de Fotografia de Coimbra, Coimbra
Museu da Imagem/Encontros de Imagem, Braga
Culturgest-Caixa Geral de Depósitos, Lisboa
PLMJ Sociedade de Advogados, Lisboa
Museu do Caramulo, Caramulo
Câmara Municipal de Chaves, Chaves
Banco Espírito Santo, Lisboa
Fundação Ilídio Pinho, Porto
Amorim Turismo, Troia
RAR Holding, Porto
Colecção ZDB, Lisboa
ANACRONIA
i’m not me
a photographer's blog by Carlos Loret de Mola
My Top 11: André Cepeda’s Ontem
The end-of-year Top 10 photography book lists are cropping up like mushrooms all over the internet forest. Speaking of which, Little Brown Mushroom’s list has been an early favorite this year, having been published two weeks ago. Soth is an astute observer of the photobook publishing world and his 2010 list doesn’t disappoint.
Actually it does. All the lists do. Obviously the top 10 are going to be “the Best”. Truth is, if you just go down one more layer you’ll leave the best and encounter the raw.
I would like to celebrate a book that, for no good reason whatsoever, just couldn’t break into the top-single-digits. I have no idea why.
Maybe because it’s a real book with real photographs about a real place done over many years by a native photographer without much fanfare. André Cepeda photographs his hometown of Porto, Portugal. The downtrodden structures, interiors and portraits could tell a story about poor and misbegotten lifes, but Cepeda is not a journalist. He is documenting his own soul through the faces and bodies of the inhabitants and the melancholic decay they call home. The title Ontem means Yesterday in Portuguese.
The book itself is superbly produced by Le caillou bleu éditions with a nice large tipped-in print embossed onto its elegant linen hardcover, not unlike the third edition of Sleeping By The Mississippi. Is that the problem? Too Sothy? Alec has moved on and I guess we have, too. The trajectory from Sleeping By The Mississippi through Niagara to Broken Manual is that of an artist descending deeper and deeper into his own emotional inner core. The cumulative effect of the three projects in sequence is riveting (a great reason to have checked out From Here To There at the Walker). Soth always seems restless for the next step inward. Or is it downward?
Cepeda is working on a much more intimate level. You can palpably feel his very personal connection with the people and places he photographs. There is a sense of loyalty that has been nurtured through years of living there and being one with his subjects. This is the kind of authenticity that I aspire to with my own work and that often eludes me. To see someone doing it so clearly and intensely makes me want to reach for this book again and again, to feel it once more. He does owe a lot to the amazing legacy of American Color Photography that Eggleston and Soth are the reigning champions of. So many of us do. But that’s a superficial assessment. Don’t let that get in the way of appreciating a truly great photobook experience. Anyone who’s familiar with my work can understand why Ontem is my pick for book-of-the-year. A personal choice, sort of like The Mushroom Collector on the top of LBM’s list. That’s a great book, too, but because of its powerfully intimate emotional tone and the sheer beauty of its color photographs, this year’s coveted 11th place goes to André Cepeda’s Ontem.
RAR GROUP
Texto da exposição na Galeria Pedro Oliveira, Porto, 2010
Ao olhar para estas imagens temos uma incómoda sensação de estar a ver objectos fora do lugar. Suspensos por uma contra-gravidade que em nada se assemelha à leveza, estão presos numa inércia que não promete movimento, mas antes denuncia a sua impossibilidade.
Inertes mas inquietos. Uma inquietude estranha à matéria. As coisas fora do seu lugar próprio não têm pertença à ordem deste mundo, perderam o seu sentido, tornam-se ilegítimas e excessivas para nós, não sabemos onde encaixá-las. Elas tendem para algures, onde está o repouso, o descanso, Mas onde? Uma tensão impotente —será por isso vã? — por ter perdido um dos seus polos.
Um saco de chá de ontem, uma luz que nada ilumina, uma laranja podre, uma pedra sem chão, um fio sem começo nem destino, preso pelo acaso... e corpos, corpos fechados sobre si, revestidos de uma nudez que não abre, não comunica, não conta histórias e não faz promessas. Mas é uma incomunicabilidade que tem a forma de mudez, e não de silêncio, produzida pelo impedimento e não pela renúncia. Não ouvis, espectadores, enquanto procurais um sentido nestes objectos e corpos, o seu incómodo ruído? É pois uma nota que ficou suspensa, condenada ao Tempo, incapaz de passar para a sua sucedânea, à espera do momento do auto-esgotamento.
Quando a tensão se esgotar — inevitavelmente se esgotará, porque é intrinsecamente insustentável — seguir-se-á a queda e a quebra. Presenciamos, neste momento e sempre, apenas a iminência da Exaustão derradeira.
Mingyu Wu, Lisboa, 2010
ORDEM DOS ARQUITECTOS
Jean-Louis Godefroid: Quais foram os elementos que se revelaram determinantes na tua orientação para a prática da fotografia de autor?
André Cepeda: Os meus primeiros contactos com a fotografia ocorreram graças aos Encontros de Fotografia de Coimbra, onde a minha mãe era secretária do director. Lembro-me de ter ido ter com ela e de ter podido assistir àquele ambiente em torno da elaboração de um festival: a recepção das provas, a colocação nas molduras, o acto de pendurar as fotografias… Foi em 1989, com a idade de doze anos, que comecei a ajudar a equipa do festival, por ocasião da exposição de Robert Frank. Fiquei marcado por aquele contexto completamente novo para mim. As imagens faziam-me descobrir um mundo novo, uma realidade nova, cuja existência ignorava e à qual eu era muito sensível.
Queria entender o significado das imagens, o que elas nos transmitem, de que forma as interpretar e como compreender a minha relação com esses universos criados por todos aqueles fotógrafos.
Depois daquela primeira experiência, comecei imediatamente a fotografar. Na realidade tirava fotografias de fotografias, reproduções. Lembro-me de visitar as exposições e de fotografar as imagens. Penso que era para tentar compreender melhor a composição e as formas das fotografias das quais gostava verdadeiramente muito, como por exemplo as de Ralph Eugene Meatyard. Ele fotografava os seus filhos, criando, através da ficção, um universo um pouco bizarro, misterioso. O seu trabalho é fundamental e acompanha-me sempre naquilo que faço hoje: nunca dizer tudo, nunca mostrar tudo, para deixar lugar à imaginação do espectador…
JLG: Como continuaste a tua formação?
AC: Trabalhei durante vários anos no festival de Coimbra, até aos meus 18 anos. Depois fui viver dois anos em Bruxelas, onde frequentei vários workshops e um curso na escola de Arte de Ixelles, o que foi, do ponto de vista técnico, muito importante. A quantidade de informações que encontrei em Bruxelas foi determinante para os anos seguintes. Comecei a fotografar com o sistema Polaroid Positivo/Negativo, a filmar com Super 8, a poder fotografar muito e a experimentar outras técnicas. Depois instalei-me no Porto, onde fiz o meu último ano de formação. Um mês mais tarde comecei a trabalhar no Centro Português da Fotografia, no Porto, onde permaneci três anos. Antes de ser fotógrafo, queria compreender todos os mecanismos ligados à fotografia, documentar-me, formar-me, montar exposições, compreender bem todo o processo e conhecer o máximo de fotógrafos possível.
Tirei vários cursos de impressão a preto e branco e a cores. O laboratório sempre me interessou e ainda hoje é esse o caso. A minha abordagem à fotografia não se resume à imagem, mas também a tudo aquilo que a rodeia: a construção, as provas, a montagem, os livros, tudo o que lhe dá sentido, que faz pensar.
JLG: Enquanto autor, qual foi a tua primeira realização significativa?
AC: Aos 17 anos comecei a procurar uma linguagem pessoal com a fotografia. Já trabalhava muito para melhorar a minha prática. Em 1999, parti um mês para Moscovo. Tratava-se, para mim, de uma espécie de viagem iniciática, por ocasião da qual pude começar a trabalhar naquilo que queria: o meu objectivo era o de realizar o máximo de registos de imagem, de materializar tudo aquilo que sentia, de fazer “sair” todas as influências dessas imagens que eu tinha na cabeça. Produzi imensas imagens: dois a três filmes de 35 mm por dia, e ainda alguns de 120.
De Moscovo regressei a Bruxelas, onde, no âmbito do programa de residência de artistas no Espace Photographique Contretype, realizei o meu primeiro projecto que daria lugar a uma exposição e a uma publicação, com o título Anacronia. Foi aí que tudo verdadeiramente começou.
JLG: Agora terminas um trabalho que tens levado a cabo há vários anos, no Porto, reagrupando paisagens, cenas interiores e retratos. Como é que construíste esse projecto?
AC: Esse projecto aconteceu muito naturalmente. Tratou-se de uma necessidade de fotografar o que se encontrava à minha volta, inspirando-me no quotidiano. As pessoas que fotografei, cruzei-me com elas, abordei-as na rua e nos locais que frequentava. Há treze anos que vivo no Porto e sempre fotografei e observei a cidade, mas para este trabalho interessei-me por uma realidade mais específica. No Porto, existe aquilo a que chamamos de “Ilhas”, que surgiram no século XIX, e massificadas com a chegada de população do Norte de Portugal para trabalhar na cidade. É um fenómeno bastante curioso: cada ilha é composta por uma espécie de corredor, com apenas uma porta que dá para a rua, com pequenas casas de apróximadamente 16 m2 construidas em fila com instalações sanitárias colectivas. Hoje em dia há todo o tipo de pessoas que vive nas “ilhas”. Muitas sempre ali viveram, outras encontraram ali a única forma de ter um tecto. Uma grande parte da população é pobre e envelhecida. Há muitas pessoas a viver do rendimento mínimo e de trabalhos precários. Isto faz parte da energia desta cidade. A vida decorre como que numa ilha, completamente isolada: os locais e as pessoas são pouco acessíveis, é uma vida à margem da sociedade, tanto social como individualmente. Esse isolamento deve-se à pobreza, ao álcool e à droga. Comecei esse projecto ao passar nessas ruas, onde não se passa naturalmente, fotografando primeiro as casas, em seguida os interiores e depois as pessoas. Espantosamente, são locais onde me sinto bem, apesar de haver riscos e perigos: esta fronteira difícil de atravessar fascina-me.
JLG: Em que medida se encontra o teu trabalho ligado à tua vida pessoal?
AC: Tenho pensado muito nisso. Uma vez li uma entrevista do realizador argelino Abdel Kechiche: afirmava ele que o seu cinema era o reflexo da sua vida, da sua história pessoal. O meu pai morreu quando eu tinha três anos e eu vivi coisas muito fortes, com muito sofrimento. Não gosto muito de analisar essas emoções, mas penso, por vezes, que isso fez nascer em mim um sentimento de revolta. Gosto de estar com aqueles que têm uma vida difícil, que têm histórias para contar. Viver é pensar todos os dias no meu trabalho como fotógrafo, é ler o pensamento dos outros, escrever as minhas ideias, viver experiências, compreender como fazer as coisas. Não me consigo imaginar sem fazer o meu trabalho. O que é de facto importante, o que te faz acordar todas as manhãs, o que me prende aqui, de que forma continuar a evoluir? São estas as questões que coloco neste trabalho e, para mim, a resposta encontra-se nos sentimentos que experimentamos em relação aos outros, no amor pela família, coisas básicas e essenciais.
JLG: Ao observar as tuas fotografias, reparo que são muito silenciosas, como que apartadas do ruído do mundo…
AC: É no silêncio que me encontro. Tenho recordações visuais dos locais e, quando fotografo, não há som - estou na paisagem e sinto-me bem nesse silêncio. Quando sonho, lembro-me das imagens, mas nunca dos sons. A minha relação com a vida sempre foi sobretudo visual, mas também gosto muito de música: toco guitarra, é muito importante para mim, mas isso é outra história…
JLG: Quando olhamos para as casas que fotografas na rua, as portas, as janelas, os cortinados estão fechados. Há a mesma sensação de vazio nas paisagens que há nos olhares.
AC: É o que sentes aqui quando andas pela rua, porque aqui está tudo fechado, abandonado, para venda. A população do Porto é de mais ou menos 216 000 habitantes, numa cidade enorme, e que já teve a sua hora de glória. Na sequência de uma forte especulação imobiliária, a periferia desenvolveu-se, e muita gente acabou por abandonar o centro do Porto por falta de trabalho. Reina um sentimento de desolação, é muito duro cruzarmo-nos todos os dias com pessoas que perderam toda a esperança, que se encontram fechadas, tristes, perdidas. Trabalharam toda a sua vida e no fim não têm nada, é muito duro. Quando vim viver para aqui, não conhecia esta realidade. Não é fácil, mas tudo isso me inspira. É importante reflectir sobre a situação social e a crise que vivemos hoje: as diferenças sociais, a razão dessas vidas difíceis. As minhas fotografias são o reflexo da época em que vivemos. Depois da Revolução de 1974, havia a esperança de um mundo melhor. Após diferentes crises e adaptações difíceis as pessoas já não sabem onde estão e para onde vão.
JLG: Trabalhas com câmara técnica, nos interiores, como é que procedeste?
AC:. Gosto muito de trabalhar com essa câmara porque se trata mais de uma questão de construir as imagens do que de as captar: é um processo muito lento e minucioso. Gosto de ter tempo para sentir o espaço, de observar o sujeito, de trabalhar o enquadramento, de esperar pela luz, de sentir a imagem que vou fazer.
Um registo de imagem pode durar uma a duas horas. Nas imagens de interiores sentimos que há uma vida humana, movimentos, objectos dispostos que indicam que ali se passou alguma coisa. No que diz respeito aos retratos, estabeleço uma relação de confiança com os modelos. Falamos muito, eles contam-me a vida deles, o que me ajuda a compreendê-los, reflectimos sobre o local do registo de imagem, escolhemos uma rua ou uma divisão, e depois as coisas passam-se de forma muito natural, é simplesmente um momento que passo com eles, em que capto os seus olhares vazios e perdidos no espaço mental.
JLG: Por que razão escolheste Ontem como título para este novo trabalho?
AC: Quanto mais avançava no projecto, mais sentia nos locais e nas pessoas que encontrava uma ausência de pontos de referência em relação ao tempo. Como gerir o tempo, ou antes, como passar o tempo com o seu corpo e os seus pensamentos, o que fazer se isso não for, talvez, refugiar-se, esconder-se, anular-se, esquecer. Para traduzir esse sentimento de estar à margem do tempo, a melhor palavra que encontrei foi “ontem”.
JLG: Apesar da presença de uma forte dramaturgia, situas-te a ti mesmo numa atitude fotográfica documental?
AC: A dramaturgia provém do trabalho de enquadramento, da procura de lugares, do facto de as coisas não aparecerem simplesmente. Sou eu que provoco as situações: que vou aos locais tentar compreender, falar com as pessoas, tentar ir o mais longe possível e as coisas acontecem. Não coloco a mim mesmo a questão se se trata de documentário ou não. Estou muito marcado pelas imagens de todos os dias, como aquilo que vejo na televisão. É o lado visual que contribui para a construção do meu trabalho. Quando fotografo, faço uma síntese, procuro colocar nas minhas imagens tudo o que se passa à minha volta, ao nível político, social, familiar.
O que quero mostrar é a realidade com um pouco de ficção: não conto histórias íntimas, não faço juízos, desejo apenas traduzir o que sinto da vida, regressando a questões que são para mim essenciais.
Outubro de 2009
Ontem é o título deste projecto que começou quando conheci o H., que estacionava carros à porta de minha casa. Como todos os dias passeava o meu cão, acabávamos por conversar com frequência. Mostrei-lhe o meu interesse em conhecer as ruas que ele percorria e por onde ele andava. Interessava-me conhecer aqueles territórios, as traseiras, as paisagens escondidas do Porto, os caminhos alternativos pelos bairros da cidade, locais a que, não conhecendo muito bem, me tenho vindo a dedicar há algum tempo. Trabalhávamos todas as semanas e por vezes vários dias seguidos. A ausência de tempo. Trabalhávamos todas as semanas e por vezes vários dias seguidos. A ausência de tempo que sentia nos locais e nas pessoas que ia encontrando, o perigo e a dureza da realidade começou a interessar-me.
Pela primeira vez começo a fazer retratos.
Perguntava-me, recorrentemente, porque andava a fotografar. E só mais tarde é
que percebi que este projecto fazia todo o sentido para mim. A minha vida sempre
se cruzou com histórias ligadas à droga. O facto de viver no Porto faz-me
confrontar com essa realidade todos os dias.
Ontem foi a melhor palavra que encontrei para
descrever este estado de espírito, pois neste contexto a grande questão parece
ser como se lida com o tempo. Como passar o tempo. Como passar o tempo com um
corpo e uma mente, e o que fazer com eles. Esconder, refugiar, anular, esquecer.
Tentar estar fora do tempo.”
André Cepeda.
A exposição inaugura a 13 de Janeiro, às 19 horas, na Galeria invaliden1 (Brunnenstr. 22 - 10119 Berlin) e estará patente de terça a sábado entre as 12:00 e as 18:00 horas até dia 25 de Fevereiro.
Este evento conta com o apoio da Embaixada de Portugal em Berlim e do Instituto Camões
The photographs on this site are
available for purchase.
For print sales, please contact one of my galleries.
Galeria Pedro Cera
Rua do Patrocínio, 67 E
1350-229 Lisboa
Portugal
+351 21 8162032
+351 21 8162033
geral@pedrocera.com
http://www.pedrocera.com
Galeria Pedro Oliveira
Calçada de Monchique, 3
4050-393 Porto
Portugal
+351 222 007 131
+351 222 002 334
+351 918 494 794
galpo@mail.telepac.pt
http://www.galeriapedrooliveira.com
Espace Photographique Contretype
1, avenue de la Jonction - 1060 Bruxelles
Tél.: 00 32 (0)2 538 42 20
Fax.: 00 32 (0)2 538 99 19
contretype@skynet.be
http://www.contretype.org
Nestes últimos anos tenho feito vários projectos em que o meu espaço de trabalho é a paisagem contemporânea portuguesa. Escolhi a câmara de grande formato, 4X5 inch, porque para além da precisão e do rigor técnico, tem um processo de trabalho lento. Este método de trabalho é determinante para a observação atenta e prolongada, fazendo com que me envolva e relacione com o objecto ou paisagem que quero fotografar.
Estou sempre a tentar construir novas formas de olhar para a realidade e para o espaço que me é apresentado. Procuro essencialmente os espaços e os momentos esquecidos ou rejeitados. Coisas que nos pertencem e que estamos habituados a olhar. Isso interessa-me na exacta medida em que me obriga a criar uma imagem e relacionar-me com o seu espaço tentando esquecer a sua história e contextos de recepção originais. Concentrando-me apenas na luz, no espaço e no tempo, sinto-me mais livre para criar novos contextos para as imagens, como se este tratamento quase escultórico lhes devolvesse uma dignidade aparentemente esquecida ou negligenciada. E assim, estas imagens tornam-se momentos que propiciam uma reflexão mais alargada sobre o modo como construímos a nossa identidade cultural e social.
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