4 de dezembro de 2016

BASSANTI - PINTURA - PORTUGAL



Nasceu em Lisboa em 1979. A partir de 2010 deixou de assinar como Ivo Moreira e adoptou o nome Bassanti.
Em 1997 completou o Curso Geral de Artes da Escola António Arroio e deu início a sua prática de ateliers nos Ateliers de São Paulo em Lisboa.
Em 1999 foi convidado a desenvolver o seu trabalho na Galeria Zé dos Bois onde permaneceu enquanto artista residente até 2013.
Em 2007 fez uma breve incursão pela Faculdade de Belas Artes de Lisboa, que rapidamente se apercebem de que a academia não é o objectivo de uma empresa de manutenção da sua procura, tendo consequentemente permanecido no caminho onde o conhecimento das coisas é essencialmente empírico.
O seu trabalho manifesta uma pesquisa autobiográfica intensa, de caráter maioritariamente intuitivo, sem qual o processo de construção ganha cada vez mais relevância relativamente à obra produzida. O seu percurso pessoal e os objectos artísticos produzidos influenciam-se mutuamente, fundindo-se num movimento único em que uma acção, como vivências, uma obra eo pensamento são desdobramentos contínuos uns dos outros. Nesse sentido, as viagens representam desde o cedo um aspecto fundamental para a sua evolução e crescimento, oferecem plataformas essenciais para o entendimento dos contextos em que se movimenta. Através do questionamento do que é familiar e da permeabilidade para assimilar o que é novo, o seu trabalho reflete uma viagem constante dentro e fora do mesmo.
Desde 1995 tem produzido regularmente gráficos e livros de artista como forma de registro como suas viagens.
Das várias residências realizadas destacam-se Basileia (1997), não atelier de Daniel Boemle;Salvador da Bahia (2000-2001) e Goa (2003-2004) em atelier independente; Marrocos (itinerante);Berlim (2007 e 2010) na Spukkommune; Nova Iorque (2009) não Ponto B; Paris (2010) no 59 Rivoli; Hamburgo (2010) no Gangenviertel; Porto (2011) na Casa Amarela, Viena (2012) no Naehsalon Nathlos, Tarrafal (2013) arte pública, Chiang Mai (2014), Ko Kut (2015).
Nos últimos anos no seu trabalho ganhou contornos mais diversificados, começando (através de olhar da pintura) a explorar áreas como uma escrita, música, desempenho, fotografia, vídeo, instalação e culinária, tendo estabelecido diversas parcerias com outros artistas.
Jambalaya 2001 e Melhores Amigos para a Vida / Melhores Amigos para a Vida (2005, Galeria Zé dos Bois); Eu quero ir com você (2008, Sala do Veado); Presentes de onde eu fiz parte I & II (2009, Galeria Jorge Shirley / Sala do Veado, Museu Nacional de História Natural); Projeto Para Um Jardim Perfeito (2012, Hotel Tivoli).
















































Os objectos artísticos gerados por esta parceria transportam-nos para um universo imagético onde a esfera ­− e a estratosfera − do “fantástico-absurdo” se conciliam, em uníssono, na tradução estética de uma simbólica transonírica de vincado cunho humorístico.
Entendendo a arte como laboratório do imaginário, permeável a uma enorme pluralidade de fenómenos e influências externas, tanto Bassanti como Binau procuraram outros referentes durante o processo de criação estabelecendo, desta forma, links ao trabalho de outros artistas com os quais se identificam. Neste sentido, a música participou directamente na construção de novos itinerários narrativos[1], através da selecção e conjugação entre distintos fragmentos dos repertórios sonoros de autores como Patty Smith, Tom Waits, Laurie Anderson, Morphine, Marisa Monte e Benny Lava – entre outros.
Tanto Bassanti como Binau permitem que os trabalhos ganhem uma autonomia e dinâmica com vida própria, sendo que somente entendem as obras por concluídas quando estas atingem “um certo ponto de gravidade”.
Para Bassanti, criar é uma pulsão vital, assumindo o seu trabalho de pintura como o primeiro e grande amor. Esta óptica do pintor é projectada nas suas distintas áreas de expressão criativa como partículas de um universo comum que dialogam entre si, confluindo num mesmo fluxo discursivo que é transversal a todas as suas obras.
Bassanti traça um paralelismo entre a inspiração e o acto de respirar aquele ar que entra nos diferentes momentos e camadas do percurso criativo – e que se automatiza na ausência do self –, como ferramenta para a materialização do mundo espiritual. Um processo que considera xamânico e onde o artista se converte em veículo potenciador de um terapêutico “global detox”. As suas obras são, neste sentido, entendidas como portal de acesso a um mundo outro onde sagrado e profano se (re)encontram numa relação simbiótica.
Para Binau, criar é uma imposição quase animalesca da sua expressão individual. Enquanto artista-sensitivo, a inspiração é uma voz que lhe chega facilmente em momentos-chave, partindo de “um salto de cabeça” que pressupõe a existência de um pacto de Fé – enquanto motor gerador de novas experiências –, entre o artista e o seu trabalho.
Bassanti influência Binau com uma renovada perspectiva de trabalho na criação de imagens, recebendo deste um revigorante input no que se refere a formas, cores e linhas. Por outro lado, Binau transmite a Bassanti um entusiasmo vibrante pleno de frescura, juventude e alegria, considerando-o um verdadeiro companheiro anímico e sentindo grande proximidade no processo alquímico da Pintura e na união cúmplice do isolamento característico de quem habita o “lugar sem lugar” do atelier.
Apesar de terem percursos e referências estéticas distintas, Bassanti e Binau alcançaram uma linguagem comum que se foi solidificando ao longo desta experiência. A linguagem de Binau é marcada por expressões estéticas muito gráficas, pela bidimensionalidade e pelas cores planas da escola do design, dos cartoons e da street art, tendo como referentes o surrealismo pop de Mark Rayden, o cunho dadaísta de Yves Klein, a intensidade sarcástica dos graffitis de Blu e a potência do grafismo de Broken Fingaz. Bassanti vai ao encontro dessa linguagem por via dos referentes da pop art, das linguagens do outdoor e do design de comunicação de Keith Haring tendo, porém, a influência do lado mais explosivo de Pollock, da escala gigantesca de Baselitz ou do lado mais selvagem de Penck.
O resultado desta parceria apresenta uma certa afinidade formal com o grafismo dos fanzines e com toda a ampla linguagem vinculada à arte urbana que, contudo, é aqui transposta para suportes mais clássicos e exposta em espaço privado.
Nos trabalhos realizados ressaltam-nos alguns elementos mais constantes. As mãos são um elemento comum aos dois artistas já que ambos as consideram um veículo de criação primordial de onde emana toda uma essência que está totalmente ausente nos meios tecnológicos. As personagens monstruosas são criadas maioritariamente por Binau, sendo que Bassanti flutua à volta delas. Estes pequenos monstros de Binau fazem parte de um discurso já estabelecido pelo artista, que lhe permite uma liberdade expressiva não ofensiva – embora não tenha nenhuma preocupação com o carácter “anti-estético” ou com a agressividade que as suas figuras possam transmitir. Neste sentido, apesar da comicidade que as envolve, elas não abdicam do seu lado assustador, o que permite ao artista encarar de frente estes monstros internos através das obras realizadas. Já Bassanti teve um longo período no qual pintava os seus monstros através de um “grotesco” sem filtros. Contudo, sente desde então uma responsabilização perante aquilo que produz, e considera que não deve devolver violência ao mundo. Apesar do pendor controverso de alguns dos seus trabalhos, Bassanti reformula as suas figuras num esforço consciente de apaziguar estas “fobias e agonias” internas transformando-as assim em algo distinto. Tenta, deste modo, gerir da melhor forma possível a dualidade entre o bem e o mal – que inevitavelmente também faz parte do “pacote” mas que se dilui e se transmuta no melting pot do seu processo criativo.
Toda a exposição se afirma como crítica ao modus operandi do colectivo social estabelecido e às esferas institucionais que o promovem – com as quais nenhum destes dois artistas pactua. Todos os trabalhos realizados – bem como as escolhas subjacentes aos temas abordados – se constituem como actos políticos. Tanto Bassanti como Binau defendem um entendimento da arte imune às etiquetas académicas e aos circuitos padronizados da indústria cultural.[2] Dessa forma, ambos se assumem enquanto sujeitos estéticos como via de libertação, e expressam através das suas obras um pensamento livre – e sobretudo um sentimento espontâneo – que se afasta das convenções e que é aberto às mutações externas e internas do Ser.
Ao longo desta exposição levantam-se diversas questões que manifestam uma postura crítica relacionada com o lado enfermo de uma sociedade autofágica e hermética, que implode pela incapacidade de ser verdadeiramente ecléctica e que necessita urgentemente de terapia. Podemos, pois, encontrar nas obras expostas a questão da violência capitalista – personalizada aqui pela figura do homem de negócios –, a questão da nocividade que adveio da industrialização, a questão da “família disfuncional” associada ao desenvolvimento do ser humano, a questão da medicamentação, a questão da alienação, a questão das drogas, a questão da verticalidade do artista e da liberdade criativa espartilhada pelo mercado da arte e pelo mundo académico, a questão das religiões organizadas como instrumentos de gestão social, a questão da incapacidade de convívio directo entre as pessoas gerada pela proliferação e pelo mau uso da realidade virtual, a questão do lado romântico e dramático da solidão refugiada do artista no espaço de atelier –enquanto espaço emocional, vivencial e espiritual – a partir do qual o artista sintoniza e recebe as frequências do mundo exterior, e a questão da Fé associada ao acto criativo no sentido de re-ligar, defendido aqui como a única religião possível.
A questão da doença mental bipolar é algo “familiar” a ambos os artistas e, muito embora não se traduza de forma linear, ela está presente de modo indirecto nos trabalhos realizados, tendo percorrido também todo o processo criativo que os gerou. Ela existe ainda como aspecto subliminar, na estrutura bipartida desta exposição (lado A e lado B). Nas obras apresentadas, a dicotomia sanidade versus patologia não adquire um aspecto pesado nem tão-pouco leviano, sendo antes tratada com humor através do sentido do non-sense e do absurdo. Tal como a devoção perante o acto criativo, esta “enxaqueca mental” faz também ela parte do package que integra o título da presente exposição e que engloba – para além dos muitos outros que já referimos anteriormente – também este aspecto. Mas se, por um lado, a arte pode ser aqui entendida como o meio para o artista escoar e sair deste sofrimento no sentido terapêutico[3], por outro lado a loucura impõe-se também como elemento imanente à sanidade anímica − bem como à sua capacidade regenerativa −, através de um estado privilegiado de consciência que transpõe o lugar comum de habitat do “corpo enfermo” e que é, ao final, inerente à própria condição humana. Encontramos ainda uma alusão clara a Jodorowsky através da ideia do sagrado contida na obra cinematográfica “Holy Mountain” – transposta aqui em paralelo com a concepção de “Holy Package” – através da noção de que o trabalho em si é uma fonte de terapia tanto para o criador como para o espectador.
Da genuína conexão criativa entre estes dois artistas gerou-se assim uma terceira entidade conjunta, que se distingue daquelas que os caracterizam isoladamente. Esta “forma de arte outra” surge da sensação, partilhada por ambos, de absoluta liberdade criativa durante todas as etapas desta colaboração, da valorização do relativo, do momentâneo e do “acidente”, numa entrega plena à dinâmica sinestésica dos sentidos – e de todos os sentimentos que lhe advêm. Eles são dois agentes activos na construção do seu tempo: o do Presente
Ambos compartem o ideal de primazia do processo criativo sobre a obra final, assumindo um mesmo compromisso metafísico na incessante busca de verdades de valor extra-temporal, e do encontro da perenidade no efémero como via de abertura para novos espaços de possibilidade perceptiva, onde paradoxos e bipolaridades se conseguem gerir e coexistir de forma natural.
Nesta frequência sintonizada em flow with the present, Bassanti e Binau assumem-se como veículos/canais por onde passa informação, experimentando durante este processo certos estados de consciência alterada, que lhes permitem navegar pelo desconhecido até alcançarem aquele hiato de fusão onde o ego se anula e o gesto se solta – sem tempo nem espaço outro que não seja o do próprio fluxo criativo.[4]
Ana Cardim · Sintra, Novembro 2016

Http://bassantistudio.com/

ideiasderua.blogspot.pt


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